Vocação litorânea precisa conduzir Brasil a liderar governança oceânica global

Maria Carolina Hernandez Ribeiro, Pesquisadora de pós-doutorado, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
9 min lexim
Politikë

Ao contrário da nítida divisão entre os continentes (grandes porções contínuas e emersas de terra), o oceano é apenas um, sem limites geográficos aparentes. Isso significa que, mesmo considerando particularidades físico-químicas e biológicas entre suas diferentes partes, devemos reconhecer esse corpo d’água – que corresponde a cerca de 70% da superfície do planeta– como algo único, interconectado, e que sofre com danos que não respeitam as fronteiras estabelecidas pelo homem.

No domingo, 8 de junho, foi comemorado o Dia Mundial do Oceano, nomeado assim durante a Cúpula da Terra (em 1992 no Rio de Janeiro) como uma forma de destacar a sua importância. Sua proximidade com o Dia Internacional do Meio Ambiente (em 5 de junho) não é à toa, justamente para valorizar o papel do Oceano para a vida.

Após 25 anos, em meados de 2017 foi anunciada a Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (resumidamente Década do Oceano, entre 2021 e 2030) junto à 1ª Conferência da ONU para o Oceano, em Nova York. E na semana passada (9 a 13 de junho) estudiosos da área do mundo todo se encontraram em Nice, na França, para a sua 3ª Conferência, a UNOC3.

De forma a aprofundar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (Vida na Água), sua integração com os demais ODS, e as 7 metas buscadas pela Década do Oceano, esse encontro é um marco importante, por se tratar da metade do caminho até 2030, em um ano que ainda concentrará a COP30, em Belém, principal capital amazônica do Brasil.

E, ao contrário do que muitos pensam, que as florestas são o pulmão do mundo, é o oceano o verdadeiro responsável pelo fornecimento da maioria do oxigênio no planeta, por meio da fotossíntese fitoplanctônica.

Além disso, o oceano proporciona outros inúmeros serviços ecossistêmicos, que são benefícios diretos e indiretos, como os culturais (recreação, lazer, espiritualidade), de provisão (alimentos, minerais e energia – tanto de origem fóssil como limpa, em consonância com a transição energética), de suporte (a já mencionada produção de oxigênio e a ciclagem de nutrientes), e de regulação (do clima terrestre, ao absorver o calor excedente da atmosfera). Também é fonte de uma biodiversidade cuja importância é intrínseca e insubstituível, e que ainda pode contribuir para a elaboração de novos medicamentos, a partir do seu recurso genético.

O oceano é, portanto o nosso maior bem comum. E devido a isso, merece proteção à altura. Porém, nunca antes ele esteve exposto a tantas ameaças, como a poluição por plásticos, ou o aquecimento do planeta devido à atividade humana, com diversos efeitos que ainda não compreendemos totalmente. E que podem contribuir para o derretimento do gelo polar e consequente aumento do nível médio do mar, o que colocará em risco a vivência de milhões de pessoas ao redor do planeta, trazendo à tona a questão humanitária dos futuros refugiados climáticos.

Por conta disso, é até estranho pensarmos que a superfície lunar é mais bem mapeada que o oceano (com cerca de 25% do seu fundo cartografado), levando a um grande desconhecimento sobre os ambientes extremos de mar profundo, devido ao alto custo de sua investigação. Ainda, ecossistemas costeiros e marinhos inteiros encontram-se vulneráveis ou em risco, como recifes de corais, devido à acidificação e branqueamento; ou mangues destruídos por conta de especulação imobiliária, por exemplo. Mas não tem outra forma, é necessário investir para poder proteger.

O Brasil, país com aproximadamente 7,5 mil km de linha de costa (sem levar em conta suas reentrâncias), conferiu em 2011 a nomenclatura de ‘Amazônia Azul’ à totalidade da sua área costeira e marinha pertencentes à Zona Econômica Exclusiva (ZEE), incluindo a recém-reconhecida extensão da sua plataforma continental na margem equatorial junto à Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), e a requerida Elevação do Rio Grande, na porção do Atlântico Sul e de interesse pelos seus depósitos minerais.

Oceanógrafos ainda não são valorizados

Aqui no país, a profissão do oceanógrafo foi reconhecida somente em 2008, pela Lei nº 11.760. Com exceção da AOceano, cuja vinculação é voluntária, e, portanto, não obrigatória para a atuação profissional, e cuja representatividade ainda é restrita, não temos um conselho de classe próprio (organização prevista pelo governo) para regulamentar a nossa atuação, o que faz com que nosso trabalho muitas vezes seja desvalorizado, sem funções claras, sem piso salarial, e por conseguinte, sem garantia dos devidos direitos trabalhistas. E que indica que mesmo entre os nossos pares, não somos unidos o suficiente, com o intuito a destacar nosso papel no mercado de trabalho.

O esforço para a formação de um oceanógrafo começa durante a graduação. O bacharelado, oferecido por poucas instituições no Brasil (comparado a cursos como Pedagogia, Direito, e Engenharias) é geralmente em tempo integral, dificultando a realização de estágios por parte dos estudantes fora dos laboratórios das próprias universidades. O que já desanima aqueles que não querem continuar no ambiente acadêmico, seguindo numa pós-graduação.

Ainda, mesmo não tendo um levantamento oficial sobre o perfil do egresso da Oceanografia do país (se existe, tal estudo não é de conhecimento público), as mulheres estão expostas também a riscos como assédio, principalmente em atividades embarcadas, que são obrigatórias para a titulação.

Indo na contramão do pensamento de que é necessário investir para conhecer, tivemos recentemente outro retrocesso para a pesquisa oceanográfica brasileira: a atual reitoria da USP (geralmente reconhecida como a melhor universidade da América Latina) pediu o descomissionamento de 3 das suas 4 embarcações que não só davam apoio a projetos de pesquisa, como também auxiliavam na capacitação dos formandos, permanecendo apenas com o Navio Oceanográfico Alpha Crucis. Para efeito de comparação, graduar oceanógrafos sem a experiência de embarque é semelhante a formar profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, etc.) sem a vivência nos hospitais-escola, que representam gastos tão ou mais altos quanto os da manutenção dos barcos e navios.

Letramento e ampliação da cultura oceânica se fazem essenciais

Apesar de mais da metade da população brasileira (54%) residir na faixa litorânea, de acordo com o último Censo de 2022, muitos nunca nem chegaram perto do mar. Mas, se não conhecem, como sabem por que devem proteger? Dessa maneira, a literacia oceânica (ou letramento) e a ampliação dessa cultura oceânica se fazem essenciais, de modo a garantir que conhecimentos científicos e das populações tradicionais não se percam, além de aproximar essa nova realidade para os que nunca tiveram contato, de forma a possibilitar a capacitação da próxima geração de recursos humanos para a Oceanografia.

Essa iniciativa educacional foi inicialmente proposta por diferentes grupos de pesquisa nacionais, como o coordenado pelo Prof. Ronaldo Christofoletti (Instituto do Mar-Unifesp), entre outras universidades brasileiras, e os Ministérios da Educação (MEC) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Com isso, o Brasil é o primeiro país a buscar a inclusão da cultura oceânica nos currículos escolares, com o Programa Currículo Azul, se comprometendo com a recomendação da própria Década do Oceano e da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano. Assim, garante-se que estudantes de diferentes níveis, sem acesso ao mar e que não podem usufruir diretamente dele, recebam informações relacionadas ao oceano de forma correta.

A importância da 3ª Conferência da ONU para o Oceano, em Nice

Voltando para a mesa de debates, onde as grandes decisões são tomadas, um dos propósitos principais da UNOC3 foi direcionar os próximos passos do Acordo sobre a Diversidade Biológica Marinha de Áreas além da Jurisdição Nacional (BBNJ), adotado em 2023 e que deve entrar em vigor após a assinatura de pelo menos 60 países (Brasil assinou, porém ainda não ratificou). Mas também tratar sobre futuros instrumentos legalmente vinculantes como o marco regulatório alcançado pelos países por meio da Organização Marítima Internacional (IMO), para a descarbonização desse setor de transportes a partir de 2027. Essa transição para combustíveis verdes é considerada representativa para a diminuição de emissões de gases do efeito estufa, uma vez que o comércio global é realizado principalmente por tráfego marinho.

Já a discussão em relação ao combate à poluição plástica foi foco de um documento especial denominado “Apelo de Nice”, mas do qual o Brasil decidiu ficar de fora, infelizmente. Ademais, temas como mineração dos fundos marinhos, planejamento espacial marinho (PEM), criação de mais áreas marinhas protegidas, a ‘pesca ilegal, não declarada e não regulamentada’ e cooperação internacional (entre outros) também constaram nas conversas desse evento.

Aqui no país alguns avanços nesse sentido estão sendo feitos, mesmo que devagar. O Projeto de Lei nº 6969, de 2013, conhecido como ‘PL do Mar’, finalmente foi aprovado na Câmara dos Deputados no final de maio e segue para votação no Senado. Tal política, quando em vigor, será vital para que o Brasil cumpra com suas metas tanto da Agenda 2030 como de Kunming-Montreal da Convenção sobre Diversidade Biológica. Ao visar o desenvolvimento sustentável, com o uso consciente de seus diversos recursos, a adaptação para o combate às mudanças climáticas, aliado à preservação ambiental pelo monitoramento adequado dos variados impactos causados a esse ambiente.

Em relação ao financiamento, o Brasil também feito esforços nesse direcionamento, como o aumento de “financiamento azul” do BNDES de R$ 350 bilhões, para incentivar nos próximos anos a economia azul no entorno das principais ilhas oceânicas brasileiras. Focado no mapeamento e preservação dessas áreas para restauração de habitats de aves marinhas e o combate de espécies invasoras, bem como recuperação de recifes de corais ao longo da costa brasileira, e o desenvolvimento sustentável nessas regiões.

Dessa maneira, mesmo com alguns entraves o Brasil encontra-se numa posição muito favorável para liderar a governança oceânica global de agora em diante. Principalmente em um cenário no qual a principal potência ocidental, os Estados Unidos, não é nem signatária da legislação sobre a utilização e gestão do mar – a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM).

The Conversation

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Burimi origjinal: theconversation.com

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